terça-feira, 19 de janeiro de 2010

União legal de homossexuais: chamar "casamento" ou não chamar "casamento", eis a questão

Encontro muitas pessoas que são a favor de uma união legalmente protegida entre pessoas do mesmo sexo, desde não se chame "casamento", apesar de acharem que deve ter exactamente o mesmo "conteúdo".
Ora, durante muito tempo também eu pensei que se deveria instituir legalmente uma união (chamemos-lhe, de forma algo imperfeita, "matrimonial") entre pessoas do mesmo sexo, mas com nome diferente do de "casamento" - afinal, a própria definição de casal implica dois sexos diferentes, ao contrário da definição de "par" (por exemplo, quem tem um filho e uma filha diz que tem "um casalinho", mas já não diz que tem "um par"; quando se juntam dois animais da mesma espécie mas de sexos diferentes, diz-se que são um casal e que vão acasalar, não que são um par; na sua inversa, digo que tenho um "par de sapatos", não um "casal de sapatos").
Contudo, pensando melhor nesta questão de conceitos, comecei a reparar que as palavras casal, casar e casamento também servem outras situações, aquelas em que temos de juntar duas coisas que sejam iguais e/ou que, sobretudo, se complementem. Diz-se "casar as meias" (a minha mulher está-me sempre a dizer que o não faço...), "esta peça casa com aquela", "esta camisola casa mesmo bem com estas calças", "aqueles dois casam mesmo bem, são mesmo um para o outro", etc.
Ou seja, comecei a reparar que o significado intrínseco da palavra casamento e seus congéneres não é tão certa quanto isso. Pode ser usada para dizer que duas pessoas se complementam, uma completa a outra, o que já não implica em nada a diferença de sexos.
Aqui chegado, comecei a aperceber-me que, por mais que o significado das palavras e estas em si mesmas sejam relevantes, mesmo em termos de reacção psicológica e emocional (por exemplo, para designar o sexo do homem, eu posso dizer "pénis", "pila", "piça" ou "caralho", palavras que, querendo dizer todas exactamente a mesma coisa, têm valorações e suas consequentes reacções sociais, psicológicas e emocionais muito diferentes entre si), acho que isto de não chamar casamento à união de dois homossexuais é uma paneleirice, passe o pleonasmo:
1º - Legal e juridicamente, não faz muito sentido criar um instituto jurídico novo para os homossexuais mas com um regime totalmente igual ao do casamento, só para não lhe chamar a mesma coisa. São um esforço e uma técnica legislativa inúteis.
2º - Quando uma pessoa apresenta o BI ou o CC, lá diz se é casado, solteiro, etc. Ora, acho que seria uma violação da reserva da vida privada de cada cidadão passar a saber-se, pela exibição do BI, que determinada pessoa é homossexual. Pode parecer uma pintelhice, mas não o é de todo.
No meio disto tudo, o que verdadeiramente me preocupa é que, na inenarrável e aberrante hipótese de se vir a fazer um referendo sobre esta matéria, haja muitas pessoas que, embaladas nesta treta demagógica da palavra "casamento", façam com que ganhe o "não", adiando uma vez mais, desse modo, a solução para um problema real e concreto que se traduz numa tremenda injustiça que urge combater. Faz lembrar no primeiro referendo do aborto, em que muitas pessoas que conhecia pensavam votar "não" (ou votaram mesmo) porque achavam que o aborto é uma coisa má, mas, ao mesmo tempo, também achavam que as mulheres que o fizessem não deviam ser criminalmente perseguidas e punidas - ou seja, a sua atenção foi demagogicamente descentrada do problema fulcral e essencial para uma discussão acessória.
Por isso, a acontecer o referendo (valha-nos o Senhor para que não!!!) por favor que ninguém deixe de votar no "sim" só por causa da merda do nome, se, no essencial, concordarem que as pessoas do mesmo sexo devam ter direito a celebrar um contrato em tudo equivalente ao casamento. É que não deve esquecer-se que, legal e socialmente, o casamento não se traduz apenas em declarar o IRS juntos ou de os "cônjuges" serem herdeiros um do outro, como muitos querem fazer crer. O casamento implica um comprometimento jurídico-social muito mais vasto, que engloba os direitos/deveres de respeito, fidelidade, assistência, entre outros, que, sendo violados por uma das partes, pode a outra chegar, inclusivamente, a ser indemnizada por isso.
Não disse tudo o que tenho a dizer sobre esta questão do casamento de homossexuais, mas, de momento, por causa disto, não consegui deixar de escrever este post.

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