quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A Estrada

Mais um filme que estou em pulgas para ver: "A Estrada", de John Hillcoat, baseado no livro com o mesmo título de Cormac McCarthy, autor de, entre outros, "Este País Não é para Velhos", passado para filme em 2007 pelos irmãos Coen (que, como certamente se recordam, arrecadou imenos prémios, incluindo o Óscar de Melhor Filme).
Voltemos a "A Estrada". Baseado na crítica do Jorge Mourinha, n'O Público, que abaixo transcrevo, e de outras críticas no IMDb, parece-me que o filme deve ser excelente.
A minha mãe pretendia ontem ir ao cinema e sugeri-lhe "A Estrada". Ela gostou muito, tanto que foi a correr comprar o livro para mo oferecer (também estou em pulgas para o ler).
Ou seja, com base nas críticas lidas, parece-me que este filme é uma antítese do "2012" (que não vi) e da sua parafernália de efeitos especiais, apesar de o tema ser semelhante. Por outro lado, todas as críticas que li são unânimes no aplauso às interpretações de Viggo Mortensen e do estreante Kodi Smit-McPhee, reclamando-se Óscares, o negrume e ritmo do filme são também geralmente apontados como sendo de grande impacto e qualidade, e, ainda, a adaptação do livro de McCarthy para a tela é dita como sendo muito boa - se não mesmo excelente - por praticamente todos quanto leram o livro e viram o filme.
Sem mais delongas, aqui vai a crítica do Jorge Mourinha:

«O dia do desespero

O filme que John Hillcoat tirou do romance de Cormac McCarthy é uma viagem sem regresso a um mundo pós-apocalíptico onde a humanidade enfrenta o fim da esperança

Enquanto víamos "A Estrada", demos por nós a pensar que o filme de John Hillcoat apenas vai ter uma fracção infinitesimal dos espectadores que assistiram à super-produção de Roland Emmerich "2012". Vai de si: as pessoas hão-de sempre preferir um apocalipse que "encha o olho", cheio de milagres tecnológicos que salvam o futuro da humanidade à última hora, do que um que nos recorde como a nossa existência na Terra é frágil, à mercê dos elementos e, apesar de toda a esperança, sem salvação garantida.

O apocalipse tem sido assunto recorrente no cinema recente, mas o que Hillcoat faz a partir do romance de Cormac McCarthy ultrapassa a fancaria digital de Emmerich ou até a perturbante visão da metrópole abandonada do "Ensaio Sobre a Cegueira" de Fernando Meirelles. O mundo destruído, moribundo, angustiantemente plausível de "A Estrada" é um daqueles "milagres" que ainda só o cinema consegue criar - um equivalente invertido, cinzento e "flat", da demiurgia Cameroniana de "Avatar".

Não é, no entanto, nessa oposição fácil e gratuita do filme inane de grande espectáculo ao filme intimista de prestígio que reside o discreto triunfo de "A Estrada". Nem no facto do australiano Hillcoat (que apenas conhecemos entre nós do western dos Antípodas "Escolha Mortal", 2005) e do argumentista inglês Joe Penhall terem conseguido adaptar o supostamente inadaptável romance de McCarthy, transcendendo uma pós-produção complicada que viu a estreia do filme, rodado em 2008, atrasada de quase um ano.

Esses factores ajudam, claro, e não é pouco - a par de uma impecável produção artística e técnica (a fotografia cinzenta, dessaturada de Javier Aguirresarobe, o design de produção meticuloso de Chris Kennedy), a par das interpretações assombrosas de Viggo Mortensen e do estreante australiano Kodi Smit-McPhee no papel do pai e do filho que percorrem uma América pós-apocalíptica em busca de uma quimera que talvez já não exista. Mas o verdadeiro triunfo de "A Estrada" é no modo como Hillcoat articula todos esses elementos numa visão angustiante, aterradora, incomodativa, de um mundo morto e sem esperança, onde a humanidade está reduzida a uma selvajaria animal e impiedosa, a uma sobrevivência primal. Onde um homem e um menino procuram, quase como D. Quixote investindo contra os moinhos, manter viva a chama de uma civilização, por mais trémula que ela seja, no mais absoluto negrume.

Hillcoat faz deste mundo perdido em que nos mergulha impiedosamente o palco improvável de uma meditação sobre a herança, a transmissão, a esperança. Inverte de modo hábil as coordenadas habituais do cinema de género e da ficção apocalíptica para as reduzir a um mero esqueleto, amputado de heroísmos e fantasias, do qual apenas resta um instinto tribal de sobrevivência confrontado com um mundo onde todas as referências e padrões desapareceram para talvez nunca mais regressarem e onde o desespero e a morte são perseguidores incansáveis. Talvez haja mais de super-herói neste pai que teima em sobreviver no que em todas as fitas de super-heróis jamais feitas (e não é inteiramente casual que seja Viggo Mortensen, consagrado pelo heróico Aragorn do "Senhor dos Anéis", a entregar-se-lhe com esta paixão). O que reside no fim da estrada que Hillcoat desenha não sabemos, tal como não sabemos o que causou o apocalipse que destruiu a civilização; o que sabemos é que a viagem em que ele nos leva exige um estômago forte (espíritos frágeis, abstenham-se) e nos devolve à realidade singularmente impressionados.
»

[Por: Jorge Mourinha (PÚBLICO)]

2 comentários:

  1. People!!!

    Cá estou eu de volta.. nem sempre posso aceder ao V. Blog e por isso ando um tanto atrasado nos meus comentário...

    É engraçado, também fui ver recentemente este filme e fiquei muito bem impressionado...

    Eu sou daqueles que gosto de pensar nos filmes várias vezes depois de os ver..
    A nível de argumento está de facto muito porreiro e a nível de cenarios achei que estavam bem reais.

    Ia um tanto apreensivo mas, sou sincero, vim muito bem impressionado. A banda sonora, do meu ponto de vista foi muito bem escolhida... fantástica, reparaste?
    Achei o filme muito envolvente e numa análise mais intimista achei fantastico a dicotomia de sentimentos apresentado entre mãe e filho e pai e filho...

    Só vendo...

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  2. Já vi A Estrada mas ainda não tive a disposição de escrever aqui sobre esse filme. Mas isso tb ficou a dever-se ao facto de ter, logo de seguida, lido o livro sobre o qual se baseou o filme, também ele A Estrada, de Cormack McCarthy (não sei se escrevi bem o nome), que só terminei no fim-de-semana passado, pelo que queria postar sobre os dois. Concordo 100% contigo, Núnú: a banda sonora do filme é fantástica. E, como espero explicar mais detalhadamente em post pra breve, gostei mais do filme que do livro - o que costuma ser raro - se bem que ambos, filme e livro, se complementam muitíssimo bem enquanto experiência global sobre uma estória ou uma ideia. Como disseste, só vendo...

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